A meia-luz de um nascer prematuro e anêmico do sol invadia o quarto lentamente. Era domingo, o que significa certa calmaria pelas ruas de São Paulo; poucos sons, amplificados pela acústica de estreitas ruas espremidas por prédios no centro. Dentro de um deles, o silêncio imperava de tal modo que o porteiro encontrava dificuldades para manter-se acordado, mesmo sendo ajudado pelos incontroláveis alarmes de carro.
Dez andares acima, o chão de taco, junto às paredes brancas, formava o cômodo mais oco daquele prédio. Mais que qualquer apartamento vazio, por mais vazio que aquele fosse. Havia também uma janela – quase uma parede de vidro, definidora da diferença entre cair e se machucar e cair e esquecer o que é dor –, uma poltrona de pés em madeira escura – o estofado, couro artificial branco – e alguém sentado nela.
Olhava fixamente para o lado de fora, mas sem fixar-se em ponto algum, como quem contempla um todo aparentemente maior do que o limite da janela panorâmica, de maneira obcecadamente difusa e compromissada.
A mão segurava um copo old-fashioned, ironicamente meio-cheio, meio-vazio. Scotch, provavelmente, mas não havia sinais de qualquer tentativa de violação da borda do copo, tampouco quaisquer ondas na superfície do líquido.
Mas como todos os impérios, logo a nulidade foi-se embora – Asa Branca –; a porta, separada do elevador por uma ante-sala, passou a reclamar e anunciar, em bom gemido, que alguém vinha. O barulho seco do salto com o piso de madeira desencadeou um tranqüilo e inédito gole: descanso. De todo modo, o restante do corpo continuou em estado letárgico, mesmo após o repouso de duas insinuantes mãos em seus ombros. Era manhã de domingo.
Dotadas da suavidade mais sensual que já pude observar, tais mãos aproveitaram o frouxo nó da gravata e a atiraram para longe. O colarinho, após lento desabotoar, foi alívio e provocou um fechar de olhos consciente do que iria acontecer. O restante dos botões saía das casas conforme o par de mãos deslizava pelo peito a cada segundo mais nu, a cada milímetro mais sereno, mais calmo.
A última gota de malte precedeu a revolução. Levantou-se da poltrona encarando a dona das mãos, sem qualquer sinal de agressividade. É fato que a sedução consistia, ali, em confiança e controle, sendo tudo tácito, inconscientemente acordado entre as desejosas partes. Tomou-a em seus braços e consumiu sua alma.
domingo, maio 13, 2007
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Um comentário:
algo de muito profundo precorria sua alma quando decidiu escrever isto! esta realmente fantástico! de certa maneira faz lembrar um escritor que eu aprecio bastante, Alberto Caeiro!
espero poder ler o novo espisódio brevemente!
parabens pelo seu blog, está muito bem conseguido!
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