domingo, maio 13, 2007

Estudo

A meia-luz de um nascer prematuro e anêmico do sol invadia o quarto lentamente. Era domingo, o que significa certa calmaria pelas ruas de São Paulo; poucos sons, amplificados pela acústica de estreitas ruas espremidas por prédios no centro. Dentro de um deles, o silêncio imperava de tal modo que o porteiro encontrava dificuldades para manter-se acordado, mesmo sendo ajudado pelos incontroláveis alarmes de carro.
Dez andares acima, o chão de taco, junto às paredes brancas, formava o cômodo mais oco daquele prédio. Mais que qualquer apartamento vazio, por mais vazio que aquele fosse. Havia também uma janela – quase uma parede de vidro, definidora da diferença entre cair e se machucar e cair e esquecer o que é dor –, uma poltrona de pés em madeira escura – o estofado, couro artificial branco – e alguém sentado nela.
Olhava fixamente para o lado de fora, mas sem fixar-se em ponto algum, como quem contempla um todo aparentemente maior do que o limite da janela panorâmica, de maneira obcecadamente difusa e compromissada.
A mão segurava um copo old-fashioned, ironicamente meio-cheio, meio-vazio. Scotch, provavelmente, mas não havia sinais de qualquer tentativa de violação da borda do copo, tampouco quaisquer ondas na superfície do líquido.
Mas como todos os impérios, logo a nulidade foi-se embora – Asa Branca –; a porta, separada do elevador por uma ante-sala, passou a reclamar e anunciar, em bom gemido, que alguém vinha. O barulho seco do salto com o piso de madeira desencadeou um tranqüilo e inédito gole: descanso. De todo modo, o restante do corpo continuou em estado letárgico, mesmo após o repouso de duas insinuantes mãos em seus ombros. Era manhã de domingo.
Dotadas da suavidade mais sensual que já pude observar, tais mãos aproveitaram o frouxo nó da gravata e a atiraram para longe. O colarinho, após lento desabotoar, foi alívio e provocou um fechar de olhos consciente do que iria acontecer. O restante dos botões saía das casas conforme o par de mãos deslizava pelo peito a cada segundo mais nu, a cada milímetro mais sereno, mais calmo.
A última gota de malte precedeu a revolução. Levantou-se da poltrona encarando a dona das mãos, sem qualquer sinal de agressividade. É fato que a sedução consistia, ali, em confiança e controle, sendo tudo tácito, inconscientemente acordado entre as desejosas partes. Tomou-a em seus braços e consumiu sua alma.

Um comentário:

Anônimo disse...

algo de muito profundo precorria sua alma quando decidiu escrever isto! esta realmente fantástico! de certa maneira faz lembrar um escritor que eu aprecio bastante, Alberto Caeiro!
espero poder ler o novo espisódio brevemente!
parabens pelo seu blog, está muito bem conseguido!