sábado, maio 05, 2007

Água Quente

Água quente. Bem quente. Pequeno milagre diário; incólume. Meu pescoço chega a doer por ficar tanto tempo dobrado – o corpo corcunda – enquanto a água bate na nuca. O azulejo branco ajuda meu olhar a fixar-se em algo sem que preste qualquer atenção. É luxo... sei bem, mas penso no gigantesco rol de minhas pretensas boas ações ambientais e finjo estar empatado com o planeta. Isso basta naquele instante.
Não choro, não penso, não me expresso. O som e a fumaça são suficientes, alimento-me deles. O olhar, como disse, não é perdido. É simbólico. O grau máximo de abstração sem coma, hipnose ou rito. É pensar em si sem pensar... quase Caeiro, mas menos – muito menos – arrogante.
De súbito, deixo esse prazer; sem método, sem racionalizar. O espelho é suficiente pra que minha vaidade se revele. A barba sempre curta. A sobrancelha, perfeita, sem ser feminina. O cabelo, suficientemente arrumado, sem deixar de transmitir certa sensação de despreocupação – proposital. Perplexo fico, durante um bom e suficiente minuto, com a beleza dos meus dias, até lembrar do que existe no cômodo ao lado.
Tão frio é o chão que, antes mesmo de abrir a porta deste simulacro de sauna e sentir o ar seco envolvente, os pelos do corpo se arrepiam, fazendo com que me sinta menos humano que antes.
É só a necessidade que nos lembra a ridícula condição de existência a qual estamos... bem... estamos... Limitação... A característica mais humana que existe é esquecê-la. Hora ou outra deparamo-nos com ela, mas logo inventamos algo para esquecê-la novamente. Água quente... é um milagre.

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